segunda-feira, 16 de julho de 2007

Muito além dos nossos olhos...

"Ode à cebola" de Neruda nos prova que há poesia em todas as coisas...
A diferença está nos olhos de quem vê... Concorda??!

Cebola,
luminosa redoma,
pétala à pétala,
formou-se a tua formosura,
escamas de cristal te acrescentaram,
e no segredo da terra sombria,
arredondou-se o teu ventre de orvalho.

Sob a terra,
deu-se o milagre,
e quando apareceu
teu rude caule verde,
e nasceram
as tuas folhas como espadas no horto
a terra acumulou seu poderio
mostrando a tua nua transparência,
e como em Afrodite teu mar distante,
duplicou a magnólia,
levantando-lhe os seios,
a terra,
fez-te assim,
cebola,
clara como um planeta,
e destinada
a reluzir,
constelação costante,
redonda rosa de água,
sobre
a mesa
dos pobres.

Generosa
desfazes
teu globo de frescura,
na consumação
fervente do cozido,
e o girão de cristal,
ao calor inflamado do azeite,
transforma-se em ondulada pluma de ouro.

Recordarei também como a tua influência,
fecunda o amor da salada,
e parece que contribui o céu,
dando-te a fina forma de granizo,
a celebrar a tua luz picada,
sobre os hemisférios de um tomate.
Mas, ao alcance das mãos do povo,
regada com azeite,
polvilhada com um pouco de sal,
matas a fome
do jornaleiro no duro caminho.

Estrela dos pobres,
fada madrinha
envolta em delicado papel,
tu sais do solo,
eterna, intacta, pura
como semente de astros,
e ao cortar-te
a faca de cozinha,
sobe a única lágrima
sem mágoa.
Fizeste-nos chorar mas sem sofrer.

Tudo o que existe celebrarei, cebola,
para mim és
mais formosa que um pássaro
de plumas ofuscantes,
és para os meus olhos
globo celeste, taça de platina,
baile imóvel
de anêmona nevada.

e a fragrância da terra inteira vive
na tua natureza cristalina.

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