sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Intercâmbio Cultural

Muitas vezes passamos por experiências que, a princípio, julgamos ser negativas. Com o passar do tempo, vimos que "até que não foi tão ruim assim" ou, simplesmente, damos um novo significado e a enquadramos como mais uma experiência que enriqueceu nossa história, nossa vida.
Essa história começa quando há alguns meses, depois de ter recebido a notícia de que eu estaria grávida, decidimos (eu e o marido) que era hora de dispensarmos nossa diarista e contratarmos uma empregada fixa, que assumisse nosso lar doce lar nas tarefas diárias.
Foi quando eu, com 3 meses de gestação, contratei uma moça que se enquadrou no perfil que estávamos procurando e iniciei o bom e velho treinamento por qual toda boa dona de casa passa, o de preparar sua secretária para os afazeres domésticos, deixando as coisas do jeitinho que os donos da casa gostam. Lá se foram algumas semanas de "treinamento" e um investimento de que tudo correria bem conforme o acertado. Ela cuidaria da casa enquanto eu me ocuparia com a gestação e me prepararia melhor para receber nossa filhinha.
Pois bem, quem já teve que contratar empregadas domésticas sabe o quanto é difícil administrá-las e ainda assim não temos garantia nenhuma de que tudo correrá às mil maravilhas...
Passados alguns meses... e justo na semana em que eu já estava com 7 meses, com os convites do chá de bebê entregues, um serviço de gesso sendo executado no quarto de bebê e com um pintor prestes a entrar na minha casa com seus pincéis, tintas e apetrechos, recebo a agradável notícia de que aquela mulher, que havia me prometido juras de fidelidade durante a minha gestação e após ela, disse que estava indo embora porque havia encontrado outro emprego.
E eu como é que fico? Fico com cara de pastel, a ver navios a essa altura do campeonato com tantas coisas pra resolver e administrar sozinha justamente na hora em que eu mais precisava de alguém.
Passada a semana estressante entre a correria e as ligações sem fim no intuito de encontrar alguém que pudesse, urgentemente, me socorrer e me tirar dessa escuridão, eis que surge uma luz no fim do túnel, melhor dizendo, uma indicação por uma prima.

E assim, Josefa (Zefa ou Zefinha), entrou na minha vida.
Além dos requisitos básicos exigidos por qualquer dona de casa (saber lavar, passar, cozinhar, gostar de crianças - no meu caso, cuidar da casa), algumas exigências eu tinha, digo, eu tinha porque, depois de Zefa, muita coisa mudou...
1. Não pode ter medo de cachorro (eu tenho uma boxer), 2. saber ler e escrever (para poder fazer comidinhas novas, anotar recados...).
Zefa sabe fazer o básico, mas tem medo de cachorro e não sabe ler nem escrever...
E agora?! O que fazer?! Dou ou não dou uma chance pra moça?!
Dúvidas permearam meu juízo por dias até eu finalmente me convencer que era preciso dar uma chance para uma mudança radical nos meus conceitos, deixar o preconceito e o conforto de lado e partir para uma experiência absolutamente nova, quebrando todos os meus paradigmas.
Seu primeiro dia de trabalho me fez enxergar as coisas com outros olhos.
Sem nunca ter tido sua carteira de trabalho assinada nem de ter recebido um salário mínimo durante toda a sua vida, apesar de trabalhar desde os 8 anos de idade, fui surpreendida com o sorriso de felicidade no rosto dela ao saber que teria esses "benefícios" ao ser contratada por nós. Sua felicidade era tanta que, seu hábito de esconder o rosto ao sorrir por sentir vergonha ao mostrar sua boca incompleta pela falta de dentes, iluminou o rosto sofrido, mas ingênuo, daquela que sempre sonhou com dias melhores e que aquele dia, sim, estava chegando... Apenas uma oportunidade de trabalho "fixado" era tudo o que ela queria...
Eu, do outro lado, procurava não me envolver, nem me emocionar com as histórias de vida que Zefa contava (e conta), mas tem sido difícil não me comover com tantos contrastes entre nós.
Morando num bairro pobre, e sem ter tido oportunidade de trabalhar por muito tempo em lugares fixos (o máximo que fez até hoje foi trabalhar com "bicos"), Zefa me surpreendeu ao dizer que nunca havia visto e muito menos comido uma couve-flor, aliás, não conhecia o legume nem sabia seu nome...
Dentre outras coisas que me surpreenderam está a sua linguagem própria de falar, seu vocabulário de "outro planeta" e como isso, tem me enriquecido diariamente.
Como se não bastasse, tem uma dificuldade enorme de aprender, memorizar e pronunciar palavras tidas, por nós, como simples e que já fazem parte do nosso cotidiano.
Brócolis, na versão Zefa, é "Bróco" (ela também nunca havia visto um antes).
Orégano é orega.
E por aí vai...
Por mais que eu ensine, soletre e repita, sua língua tem vida própria, trava, engancha, e lá se vai todo o meu esforço...
E ainda tem um repertório de coisas com os nomes trocados ou com nomes próprios...
Frigideira é "assadeira".
Assadeira é "Palafrão".
Qualquer prato principal do almoço é "Mistura".

Hoje ando com meu caderninho mental anotando tudo de "novo" e com uma curiosidade enorme pra desvendar mais palavrinhas novas...
Como diz Fernando Anitelli: " ... Mas quando alguém te disser tá errado ou errada, que não vai S na cebola que não vai e não vai S em feliz, que o X pode ter som de Z e o CH pode ter som de X, acredito que errado é aquele que fala correto e não vive o que diz..."

Sábias palavras...

Zefa, tem muito o que ensinar... eu, tenho muito o que aprender...

Um comentário:

Selma disse...

Uma estória com final feliz! Que linda!
Eu estou passando por algo similar. Minha "secretária" filipina vai ficar 45 dias fora, bem no final da minha gestação. Simplesmente foi. E problema meu. Só que aqui na Coréia as coisas são bem mais difíceis do que aí. Fazer as faxineiras entrarem de balde, sabão e cloro dentro do banheiro é uma epopéia. Ficam só limpando o caminho do Papa. E a gente exige e passa por carrasca... Aiaiai...
Agora... "mistura" é um termo do ABC Paulista! Nem o pessoal da cidade de SP usa esse termo! Será que ela trabalhou para alguém de Santo André, São Caetano ou São Bernardo??? É o termo que usamos aqui em casa! Rs!
Bjs!